Literatura, instrumento da consciência das questões feminas
Autoras indicam livros importantes para a representação das questões femininas

O último fim de semana abrigou uma série de discussões de natureza política sobretudo nas redes sociais. Motivados pela prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – cuja primeira questão do teste de Ciências Humanas refletia sobre o feminismo (a bordo de uma frase da filósofa e escritora Simone de Beauvoir), além de propor na redação um debate sobre a violência contra a mulher –, internautas se dividiram em concordância ou resistência às abordagens, consideradas pelos últimos como exageradas ou com o propósito de doutrinação.
Quem ficou com o pé atrás a respeito da temática pode encontrar nos livros uma maneira de desentortar as ideias. Para dar uma mãozinha, o C2 pediu indicações de obras a cinco autoras do Espírito Santo. Os livros, todos escritos por mulheres, funcionam como instrumento forte de representação da figura feminina – seus anseios, e particularidades, constantemente obstruídos por um mundo historicamente machista.
A escritora Sarah Vervloet ("Contos e Microcontos") recomendou a leitura de "A Teus Pés", de Ana Cristina Cesar, expoente da poesia brasileira no fim dos anos 1970 e início dos 1980.
"Minha primeira leitura dos versos de Ana C. foi na adolescência, em véspera de vestibular", lembra Sarah. "Fiquei surpresa com tamanha fragmentação de linguagem e seu estilo confessional – era muito do que eu precisava ouvir-ler. Numa revolução da linguagem, despertava a adolescente que ali ainda se descobria. Foi um livro que suscitou questões e, não há dúvidas, colaborou para a manifestação de uma consciência feminista."
"Uma mulher que escreve sobre mulheres consegue desmistificar a ideia de que o sexo é frágil e dependente", diz Marília Carreiro ("Opala Negra") ao indicar "Além das Pernas,", de Aline Dias. A própria Aline, aliás, participou da seleção recomendando a biografia "Furacão Elis", escrita por Regina Echeverria. "Me marcou muito porque conta a história de uma menina pequena e vesga do interior virando e sendo a maior cantora do Brasil. Isso abre a possibilidade de você ser qualquer coisa", diz Aline.
Autora de "Cortes Lentos", Isabella Mariano recorre a um ensaio da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, recentemente publicado – "Sejamos Todos Feministas". "O principal ganho desse livro pra mim foi notar a necessidade que há em tirar a carga pejorativa da palavra 'feminismo'. Nós precisamos do feminismo. Homens e mulheres", diz Isabella.
Já Bernadette Lyra discorreu sobre a feitura de seu livro "A Capitoa". "O livro é um ato de resistência feminina", diz a autora. "As histórias do livro se passam no início da colonização do Brasil. Mas o preconceito, a desvalorização e a violência contra as mulheres eram os mesmos de agora. Tal como naquele tempos, ainda hoje, o que o que importa e o que vale são as ideias e os feitos dos homens. Para a História, assim como para as Ciências em geral, as mulheres são tidas como apêndices ornamentais."
Confira as obras indicadas:
A Teus Pés
Ana Cristina Cesar
Publicado originalmente pela Brasiliense em 1982, um ano antes do suicídio da autora, o livro reúne três outras obras da autora – "Luvas de Pelica", "Correspondência Completa" e "Cenas de Abril". Tomado por uma estética confessional que força a linguagem até o limite, os escritos são de difícil definição.
Furacão Elis
Regina Echeverria
Símbolo de mulher forte, Elis Regina teve dissecada na biografia a trajetória de sua vida, que já aos 15 anos se mostrava intensa – idade em que a cantora gravou seu primeiro disco. Se o caminho profissional se desenrolava de maneira promissora, a vida pessoal era marcada por confusões. Mas da força de Elis Regina ninguém duvidava.
Sejamos Todos Feministas
Chimamanda Ngozi Adichie
A obra parte da experiência pessoal de Adichie como mulher e nigeriana para mostrar que muito precisa ser feito até que alcancemos a igualdade de gênero, libertadora para todos: meninas poderão assumir sua identidade, ignorando a expectativa alheia, mas também os meninos poderão crescer sem ter que se enquadrar em estereótipos de masculinidade.
Além das Pernas,
Aline Dias
Composto de 26 histórias sobre mulheres do ponto de vista feminino, as narrativas têm fragmentos de cotidiano – amor, ódio, intimidades, dores e delicadezas. Dentro desse universo composto de batom, cigarro, sexo e abraços, tudo se move com aquela intrínseca dignidade que há no desvario de qualquer paixão.
A Capitoa
Bernadette Lyra
Três mulheres – Ana, Luisa e Antônia – deixam o lugar em que vivem, atravessam o mar e vêm morar em uma sesmaria selvagem. Ali, as vidas dessas mulheres se cruzam. Até que ocorre a misteriosa morte de um capitão-mor, que é, respectivamente, filho, marido e amante de cada uma delas.