Maestro João Carlos Martins fala sobre a vida que ganha cinebiografia
Com obra baseada em sua vida prestes a chegar aos cinemas, João Carlos Martins fala sobre o filme e diz que sua história não é de "superação
É comum falar que a vida do maestro João Carlos Martins daria um filme, então não é surpresa pra ninguém que ela realmente tenha virado um nas mãos de Mauro Lima (“Meu Nome Não é Johnny”); “João, O Maestro”, que deve chegar nas próximas semanas ao Estado, mostra quase tudo da vida de um dos mais aclamados pianistas do planeta – de seu início na música (o que mudou sua vida) aos acontecimentos que foram, aos poucos, acabando com a mobilidade de suas mãos e o impossibilitando de tocar piano.
Aos 77 anos e após mais de 20 cirurgias, o maestro mais conhecido do Brasil falou com o C2 sobre sua fama, sua história de vida e, claro, sobre o filme.
Qual foi o envolvimento do senhor com o filme?
A produção de verdade começou lá em 2009, quando o “The New York Times” publicou um artigo sobre mim e falou que minha vida daria um filme. Por muito tempo pensou-se em um filme nos EUA, até que o Bruno Barreto falou comigo que o filme teria que ser feito no Brasil, que era uma história brasileira. Aí, entre idas e vindas, o filme foi ganhando forma.
O senhor tem uma história de superação...
Não... sou só um pianista que perdeu o movimento das mãos. O que aconteceu comigo nem chega perto de alguém que ficou tetraplégico ou perdeu a visão, só que minha história é mais conhecida, a mídia me colocou em voga.
Mas foi difícil rever alguns acontecimentos?
Acho importante deixar registrado que tudo o que tá ali, toda a parte musical, realmente aconteceu. Na parte do drama o Mauro apenas se baseou na minha vida. Tem algumas cenas, como a do bordel, que aconteceram exatamente da mesma forma, com o bispo, as putas... a única diferença é que a história, na verdade, aconteceu em Cartagena (Colômbia), mas tiveram que mudar pra Montevidéu por custos...
O senhor esteve nas gravações?
Vi algumas coisas, mas não acompanhei tudo. O que posso dizer é que toda parte da sincronização da música com a imagem foi cuidado meu. Fiquei em cima disso e ficou ótimo. Tinha um dublê de mãos no set, mas o Alexandre Nero e o Rodrigo Pandolfo foram incríveis e pegaram tudo muito rápido. Eles não são pianistas, mas pegaram tudo muito rápido.
E eles também são músicos...
O Nero é incrível! Fez 30 minutos de aula de regência e logo depois já tava regendo uma orquestra como um veterano (risos).
Como o senhor se transformou em uma figura “pop” mesmo vindo da música erudita?
É engraçado porque sou um rosto conhecido, mas muitas vezes nem sequer sabem meu nome. E exposição na mídia me tornou conhecido. Teve uma vez que um rapaz se sentou do meu lado no avião em Belo Horizonte e perguntou se poderia me chamar de maestro, respondi que podia, claro. Conversamos durante o voo e, quando pousamos, ele me deu um livro dele com uma dedicatória: “ao maestro Antônio Carlos Jobim” (risos).
(risos) Isso acontece com frequência?
Teve uma história ainda melhor... Tava saindo do aeroporto de Manaus depois de um concerto e tirei foto com muita gente. Aí uma moça do McDonalds pediu “maestro, uma última foto por favor!”. Tiramos a foto e ela saiu toda orgulhosa, comemorando a foto que tinha tirado com o Pavarotti (risos).
É legal ver como a música erudita é popular, não? Por que a gente está acostumado a achar que as pessoas têm um certo distanciamento.
Olha... a música é transformadora. Hoje eu realizo o mesmo concerto no Carneggie Hall (em Nova York) ou num presídio. Quando nos apresentamos na Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) todos os detentos choram. É lindo! Hoje eu já trouxe mais de 10 mil crianças para o universo fantástico da música clássica, realizo concertos em lugares inimagináveis.
Aqui temos projetos que levam a orquestra a praças...
Olha, vou te dizer uma coisa. Os trabalhos dos maestros daí, do Helder Trefzger (Oses) e do Leonardo David (Camerata Sesi), são dos mais extraordinários. Tenho muito orgulho até de ter sido uma ponte de ideia entre os dois.
“Foi curioso descobrir que João não era aquele sujeito sisudo”, diz o diretor de "João, o Maestro", Mauro Lima
“Um musical eletrizante e dramático.” É assim que Mauro Lima, diretor e roteirista de “João, o Maestro”, categoriza o filme que conta a trajetória do pianista e maestro brasileiro João Carlos Martins, músico que já foi considerado um dos principais intérpretes de Bach e que hoje em dia atua como regente da Orquestra Bachiana Filarmônica Sesi-SP.
Antes mesmo de se arriscar em levar a vida de João Carlos para o cinema, Mauro já tinha, mesmo que distante, uma conexão com o músico. “Conhecia o maestro de nome, desde a infância, porque fui colega de escola de um filho dele, logo no maternal. É uma coincidência um tanto emotiva para mim porque reside lá nas primeiras e profundas memórias minhas enquanto ser consciente”, conta ele, que à época o via como um homem sério, sisudo.
Embora ligados a esse passado, Mauro reconhece que pouco conhecia a trajetória do pai de um de seus colegas de infância. “Eu sabia que ele tinha sido um pianista de fama internacional e que foi perdendo o movimento das mãos. Não imaginava que por razões tão surpreendentes e distintas”, explica Mauro, que tinha uma outra ideia do motivo que levou o músico a abandonar a sua carreira de pianista.
“Pensava que os problemas tinha vindo em decorrência do excesso de prática, abuso dos próprios limites, enfim. Mas é muito mais interessante que isso”, continua o cineasta.
Entretanto, para o diretor, duas coisas o tocam na história de vida de João Carlos: como a vida foi implacável com ele em momentos específicos; e a vocação do músico para processos de resiliência.
O que me toca na trajetória do João Carlos é a sua vocação para resiliência e como a vida foi implacável com ele
“A história me lembra o ‘Prometeu Acorrentado’”, diz o diretor, referindo-se ao clássico de Ésquilo. “Cada episódio vindo do inesperado ou do esperado, seus estragos e o modo como ele desafiou e negou um destino aparentemente imposto a ele pela sorte, pela vida ou Deus... na falta de melhor verbete”, filosofa.
Parceria
Diretor de filmes como “Meu Nome Não é Johnny” (2008) e “Tim Maia” (2014), Mauro Lima relembra que chegou a ter encontros com João Carlos à época da pré-produção do filme.
“No primeiro encontro, ele já tinha uma ideia do que deveria ser a estrutura de uma boa tradução dele próprio para as telas; sabia das passagens da sua vida que poderiam dar boas sequências do ponto de vista dramatúrgico e, ao mesmo tempo, defini-lo (o filme) da melhor forma para uma possível audiência”, conta o diretor, que se surpreendeu como o músico era “divertido, disponível e com muita autoironia”.
O filme
Em “João, o Maestro” encontramos em tela três atores que dão vida ao celebrado músico em três fases da sua vida: Davi Campolongo, quando João era criança; Rodrigo Pandolfi, na juventude do músico; e Alexandre Nero, na fase adulta.
Digo que João é um roqueiro da música erudita porque ele deixou o cabelo crescer e usava aquilo cenicamente
O elenco do longa também conta com Caco Ciocler, como o professor de piano José Kliass; Fernanda Nobre é Sandra; e, entre outros, Alinne Moraes interpreta Carmen Araújo, advogada e atual mulher do músico.
Em entrevista, Alexandre Nero conta que conhecia apenas a história da reviravolta que João teve em sua carreira: a história de um homem que fazia sucesso com as mãos e teve um problema de saúde justamente nelas.
“Os brasileiros, em sua maioria, conhecem esse João, e comigo não era diferente”, explica ele. “Nosso primeiro contato foi por telefone. Logo me chamou atenção seu sotaque carregado, de paulistano dos anos 1950, que eu reproduzo no filme. Achei muito divertido, e ele me cativou logo”, relembra o ator.