João Vitor tem 9 anos, gosta de praticar bicicross e de jogar futebol com os amigos. Mas se diverte mesmo quando está criando joguinhos para celular. Duas vezes por semana, depois das aulas, ele vai para uma escola de programação e robótica para crianças.
Sim, se engana quem pensa que esse assunto é coisa de adulto. Cursos assim são cada vez mais comuns e atraem uma garotada bem nova. João Vitor começou cedo, aos 7 anos. Já está no terceiro módulo do curso, oferecido por uma rede de franquias com 36 unidades em todo o país.
Na sala dele, o Bento é outro veterano. Agora a gente está fazendo um jogo. É uma nave que precisa destruir os alienígenas, conta o menino, que também tem 9 anos e é fã de games.
Da turma, a Anne é a mais nova e a única menina. Aos 7 anos, ela mostra já certo domínio sobre a linguagem de desenvolvimento de aplicativos.
Mesmo sendo dessa geração digital, os três têm uma habilidade acima da média em relação à tecnologia. São crianças que, por natureza, são voltadas para o raciocínio lógico, para a matemática. São bem safos nessa área e pegam tudo com facilidade, diz o professor Bernardino José Gonçalves, 24 anos, técnico em informática.
Precoces
O professor está acostumado a lidar com esses nerds mirins. Mas ainda assim se surpreende com a precocidade dos alunos. Na idade deles, eu até era curioso, brincava de desmontar os carrinhos de controle remoto. Mas não tinha o acesso aos recursos que as crianças de hoje têm. Comecei a ter contato mesmo com programação depois dos 16 anos, conta Bernardino.
Ali, Anne, João Vitor e Bento aprendem um tipo de conteúdo que muitos adultos só viam na faculdade de engenharia, por exemplo. Celular e tablet são brinquedos. Por isso, o curso de programação não é nenhum bicho de sete cabeças para essa turminhas, que já vê o mouse do computador como um acessório até meio obsoleto.
São crianças que estão acostumadas a lidar com celular, tablet. Aqui, só tiveram que aprender a usar o mouse do computador. A turma menor já viu robótica, games 2D e agora está criando aplicativos para smartphone, garante o professor.
Essas crianças estão lá não só porque se interessam por tecnologia, mas também porque seus pais entendem que essa área vai ser ainda mais importante no futuro e querem que os filhos estejam preparados para qualquer desafio profissional.
O Bento sempre gostou de videogame, como qualquer criança. Mas percebemos que ele se interessava desde novo em assistir a vídeos sobre o assunto. Achei o curso bem interessante. É um ambiente em que ele se sente à vontade e um conteúdo legal, que ensina lógica, matemática, coisas que lá na frente vão fazer a diferença na vida dele, comenta Anderson Carlos Fiorotti, 46 anos, corretor de imóveis e engenheiro civil.
Juliana Gerhardt, mãe do João Vitor, também acha que o filho está no lugar certo. Ele sempre foi de mexer nessas coisas. Adora ver canais como o Discovery Channel e outros programas sobre meios de transporte. É fascinado por aviões, diz a autônoma de 39 anos.
Facilidade
Filha de um engenheiro de automação e uma médica, Anne cresceu no meio da tecnologia. Ela sempre teve facilidade com matemática. E adora videogames. Não é algo tão comum em meninas. Tanto que ela joga mais com o pai e com os primos, comenta a mãe, Sandra Albano Scherrer Lopes, 39 anos.
Mesmo considerando o curso de programação um investimento, Sandra diz que a escolha foi da filha. Ela fez uma aula experimental e gostou muito. Sabemos que daqui para frente vai caminhar para isso mesmo. É algo muito natural para as crianças. E se ela escolher essa área no futuro, já vai estar um pouco à frente.
Anne diz que não sabe o que vai ser quando crescer, se médica, engenheira ou cabeleireira. Um pouco mais velho que ela, João Vitor já visualiza uma carreira. Quero ir para a Aeronáutica, vou ser piloto de avião. Já Bento se vê trabalhando com os sistemas digitais. Quero ser professor de programação.
CURSOS ESTIMULAM RACIOCÍNIO LÓGICO, MAS NÃO SÃO OBRIGATÓRIOS
Os cursos de programação para crianças têm se popularizado pelo país, sendo considerados os novos cursos de inglês. De olho no futuro, os pais se animam a fazer esse tipo de investimento na vida educacionais dos filhos.
Especialistas veem vários benefícios nesses cursos, sobretudo por estimularem o raciocínio lógico, o aprendizado da matemática e outras habilidades que o mundo tecnológico já exige.
Mas dizem que os pais precisam levar em consideração alguns aspectos antes de matricular a criança na escolinha de informática. Esse tipo de atividade extra-curricular pode ser uma opção muito boa desde que a criança goste da área, demonstre interesse e tenha habilidade para isso, observa a psicóloga Adriana Müller, que faz parte do grupo de comentaristas da Rádio CBN Vitória.
Adriana concorda que as crianças de hoje são de uma geração que interage de forma muito natural com a tecnologia e acredita que os cursos de programação podem ser bem divertidos até para as menores. Elas gostam de desafios lúdicos, de entender o que está por trás. Antigamente, as crianças montavam e desmontavam os brinquedos que ganhavam, tentando entender o funcionamento deles. Algumas têm isso mais exacerbado do que outras, por características pessoais mesmo. E nesses cursos vão poder aprender a lógica que existe por trás daquilo que utilizam, dos jogos que jogam, cita ela.
Leonardo Carraretto, especialista em marketing, inovação e educação, defende que aprender programação na infância pode ser realmente útil.
Não vejo como regra. Não é que toda criança tem que fazer. Mas acho que se ela tem curiosidade, interesse pelo assunto, não vejo problema algum.
Capacidade
Para os pequenos, diz Carraretto, a maior dificuldade não é nem aderir à tecnologia, e sim de refletir sobre como utilizar isso. Por isso, o quanto antes tiverem contato com esse conteúdo, mais propensos estarão a desenvolver essa capacidade crítica.
Mas não pode ser uma experiência forçada. Muitos pais vão partir do princípio que é um investimento para o futuro, e aí vão pressionar o filho. O melhor é ir devagar. Pode matriculá-lo para um semestre, ver se ele gosta, sem tanta expectativa. Porque são crianças. O conteúdo tem que ser lúdico, sem o peso da cobrança, ou deixará de ser divertido, deixará de ser adequado para elas, ressalta Adriana.
Além de toda a parte lógica, diz Adriana, as aulas são boas do ponto de vista da socialização, da autonomia, da criatividade. Mas cursos assim não devem ser vistos como a única opção para desenvolver essas habilidades. Se a criança não gosta de programação, pode fazer outra atividade. A música, por exemplo, também ajuda a desenvolver raciocínio lógico, o trabalho em equipe e a criatividade.
Os pais precisam ter em mente, porém, que os cursos de programação significam mais horas diante de telas para meninos e meninas que já gastam tempo demais com celulares, tablets e videogames. Já há estudos relacionando essa exposição à tecnologia a diversos problemas de saúde físicos e mentais em crianças e adultos.
Cabe à família administrar esse tempo em casa. Não é simplesmente desligar o computador ou o videogame do filho. Vai desligar e ele vai fazer o quê? Tem que oferecer atividades sem tela que sejam interessantes, integradoras da família, que façam sentido, como andar de bicicleta, jogar bola..., destaca a psicóloga.
A pedagoga Claudia Prados tem outra visão sobre a inserção de crianças tão novas, de 7, 8 anos de idade nas escolas de programação. Não vejo vantagem nenhuma de fazer a criança passar horas em frente uma tela só para refinar uma habilidade. O tempo de ser criança é muito limitado. É tempo de brincar, de ralar o joelho no calçadão andando de patinete... Não se trata de isentá-la do conhecimento, mas repensar sobre o momento certo, que acho que pode ser mais tarde, na adolescência, pondera ela.
Consequências
Anderson Fiorotti, pai do Bento, de 9 anos, não vê malefícios nesse tipo de conteúdo para o desenvolvimento do filho, mas se diz atento as consequências que esse tipo de conhecimento pode trazer.
Claro que se deixarmos, ele fica jogando videogame até meia-noite. Mas acho uma utopia falar que criança dessa idade só pode ficar uma hora e meia diante de telas. Colocamos limites, como a hora de dormir, de fazer o dever de casa. Conversamos sobre ciberbullying, orientamos sobre não passar senhas para ninguém. E o curso não é barra forçada. Ele adora! Não é um menino com dificuldades de se relacionar. Se soltamos uma bola, ele vai brincar como qualquer criança, comenta Anderson.
CURSOS DE PROGRAMAÇÃO PARA CRIANÇAS: VANTAGENS E CUIDADOS
Vantagens
- Estimula o raciocínio lógico, a organização de pensamento
- Ajuda na socialização, pois ensina sobre trabalho em equipe
- Trabalha a autonomia
- Estimula a criatividade
- Trabalha a linguagem de programação e o inglês técnico
Alguns cuidados
- A criança precisa ser orientada e protegida. Por isso, converse sobre o que o filho está acessando, fale sobre limites e perigos do mundo da Internet
- Não pressione a criança a fazer o curso, pois ela pode perder o interesse
- Entenda que esse tipo de curso não é a única forma de ajudá-la a desenvolver o raciocínio lógico. Há diversas formas de trabalhar essas habilidades
- Não sobrecarregue a criança com atividades extra-curriculares. Permita que ela tenha tempo livre para brincar, fica à toa
- Vale entender que cursos assim significam horas a mais de tela. Isso tem que ser dosado em casa. Mas não desligue o computador ou proíba o videogame. Ofereça outras atividades interessantes, de preferência que sejam feitas em família, como andar de bicicleta, jogar bola etc
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