"Polícia Federal - A Lei É Para Todos" estreia cercado de desconfiança
Polêmico desde sua concepção, "Polícia Federal - A Lei É Para Todos" aposta em ritmo de thriller e liberdades poéticas para mostrar a Operação Lava Jato
Há dois filmes em “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, o filme da Operação Lava Jato, que estreia quinta-feira em todo o país. O primeiro deles é sobre os primórdios da operação, quando uma apreensão de cocaína levou a polícia a doleiros e, consequentemente, a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, o que deu início à leva de delações premiadas de importantes políticos brasileiros. O segundo filme traz tudo o que acontece depois disso, ou seja, o aprofundamento da Lava Jato nas contas de estatal do petróleo até chegar ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.
O primeiro filme é razoável, traz narrativa ágil e empresta das séries americanas a estrutura de thriller; tudo é urgente, extremamente didático, nada acontece por acaso e os investigadores são sempre brilhantes – e não há nada errado nisso, é a fórmula básica para se contar um bom suspense policial nas telas.
O segundo filme, porém, joga por água abaixo o que foi construído até ali. A suposta imparcialidade, por mais que o roteiro ainda tente convencer o público, é completamente ignorada quando o ex-presidente surge em cena. A partir deste ponto, o filme passa a humanizar os policiais e a demonizar Lula e o PT.
Neste ponto, também, o lado thriller tão destacado a pelo diretor Marcelo Antunez é esquecido e o filme ganha um aspecto quase semi-documental. É deixado de lado o didatismo utilizado para explicar como se chegou a cada um dos investigados e, no lugar, o roteiro apenas joga as informações em tela sem dar tempo do público pensar.
CARICATURAS
Enquanto a construção de Lula é equivocada, a de Sérgio Moro (Marcelo Serrado) é apenas desnecessária, pois a ação dos juízes durante a investigação é apenas reativa. Não há motivos para o juiz estar em tela a não ser para agradar o público e, de certa forma, servir de antagonista a Lula. O Moro da tela carrega um peso em suas escolhas, como um herói que precisa, de certa forma, se sacrificar pelo Brasil. Seu sacrifício é acordar de madrugada e autorizar ações como o vazamento do áudio entre Lula e Dilma.
O roteiro é “esperto” o suficiente para escolher o ponto de seu término, conferindo ao fato uma importância de clímax para o espectador, mesmo que muito tenha rolado depois dali (o áudio entre Romero Jucá e Sérgio Machado, por exemplo, foi apenas dois meses depois). Além disso, vale dizer que a construção de Ary Fontoura para Lula é odiosa e vingativa, não conferindo ao ex-presidente nenhum pingo de simpatia mesmo entre seus pares.
A necessidade de se vender como imparcial é responsável por diálogos constrangedores (um deles, entre pai e filho, é especialmente ruim) e que não precisariam estar ali se o roteiro realmente não escolhesse um lado. De nada adianta, afinal, falar em transparência e não revelar quem são seus investidores.
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Escolhas à parte, “Polícia Federal” é melhor, por exemplo, do que “Plano Real”, outro filme descaradamente panfletário, mas que peca na construção de clima e na pretensão de ser algo maior.
Uma decisão acertada é o elenco principal. Apesar de a presença de Lula e Moro ganhar mais mídia, quem conduz toda a trama é o quarteto de investigadores formado por Ivan (Antonio Calloni), Bia (Flávia Alessandra), Júlio César (Bruce Gomlevsky) e Vinícius (João Baldasserini). Ivan e Júlio acabam sendo os mais desenvolvidos, mas os quatro funcionam bem como engrenagem e o espectador compra a empolgação deles a cada descoberta. É interessante ver como os personagens pregam a imparcialidade e até questionam o que estão fazendo, mesmo que o filme caminhe em uma direção completamente diferente.
“Polícia Federal” e seus muitos clímax funcionariam bem como uma série e ganhariam ainda mais força se o filme utilizasse imagens de arquivo durante sua projeção, e não apenas nos créditos e na personificação de Dilma Roussef, mais ou menos como faz a série “Narcos”, da Netflix. Com duas sequências já confirmadas para os dois próximos anos, a história promete crescer e chegar a pontos que vão além do PT. Resta saber como isso será mostrado às vésperas das eleições do ano que vem.