O senso comum diz que só casais com boa condição financeira e em uma relação heterossexual podem adotar. Mas a realidade e as decisões judiciais mostram outra situação. É claro que não basta dar entrada na Justiça no pedido de habilitação para ser um adotante. Os pretendentes passam por avaliação. Mas não vão ser os fatores descritos acima que vão motivar uma negativa, segundo especialistas.
“Quem manifesta o desejo de adotar entra com o processo. Depois é encaminhado para a equipe técnica de cada juizado e passa por avaliação com assistente social e psicólogo. É uma conversa para entender de onde vem esse desejo”, explica a assistente social Marcela Costa, da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Serra.
“Vemos se é um desejo que vem do casal, se um não está impondo a vontade ao outro. Ou se é uma pessoa muito idosa para uma criança muito pequenininha, por exemplo. Então tanto casais, quanto solteiros ou casais homoafetivos podem dar entrada nesse processo”, completa Marcela.
O cabeleireiro Guto Ferrares, 29, congrega em si algumas dessas características. É solteiro, é homossexual e era bem novinho (tinha 23 anos) quando decidiu que seria o pai de Ana Clara Ferrares, 14. Ele conheceu a história da menina por um amigo. Em respeito à Ana Clara e à família biológica dela, ele pediu para não detalhar seu histórico. Mas destacou que a “mãe de Ana Clara foi muito mãe de reconhecer que, naquele momento, não tinha condições de criá-la”.
A advogada Thanany Machado Dario, 45, também era solteira quando adotou Lavinia, 9, em 2010. Depois de quatro anos da adoção, ela casou com Adolfo Bras Sunderhus, 60. E sempre teve apoio da família, mas ouviu muita coisa. “Não tive obstáculo nenhum na Vara da Infância. Mas socialmente falando, ouvia de pessoas próximas: ‘Você vai adotar sozinha? Por que não espera ter um companheiro? Você não vai dar conta’”, relata Thanany.
Guto tem relato parecido. “’Você não vai conseguir’ ou expressão de reprovação. Mas as pessoas muito mais elogiam do que criticam”, ressalva sobre as primeiras experiências.
Mas por mais que oficialmente não haja obstáculos judiciais, quem convive diariamente com o preconceito não nega os receios de discriminação. Guto conquistou a guarda de Ana Clara pelos laços de afetividade já estabelecidos com ela, uma exceção prevista em lei. Ele não acreditava que conseguiria adotar. “Depende de quem cuida daquela listinha de adoção. Se a pessoa que direciona é homofóbica, você acha que ela vai dar a vaga para um homossexual?”, questiona Guto, seguido por um silêncio.
Hoje ele também é pai de Loami da Costa Pereira Corrêa, 19. “Agora tenho o apoio de um pai porque o meu me negou quando eu era pequeno. Agora eu tenho um pai”, diz o jovem.
Depois de já ter passado por todo o processo de adoção, Thanany ressalva que ainda falta informação. “Cansei de ver gente dizendo que, por ser pobre, não conseguiria adotar. Isso não é um empecilho, e não há uma campanha dizendo que não é necessário ser rico”, lamenta.