Inexperientes nas urnas, elas tiveram pouquíssimos votos, apesar de seus partidos políticos terem disponibilizado quantias significativas de dinheiro para as respectivas campanhas eleitorais. Contudo, candidatas evidenciam que a aparente generosidade não passou de fachada, uma vez que ao menos parte do dinheiro passou pelas contas delas, mas precisou ser “devolvido” aos dirigentes partidários por meio de serviços que elas não usaram, ou serviu para custear materiais de campanha de candidatos, homens, considerados mais competitivos.
Após cruzar os dados de votação das candidatas com os de receitas partidárias e de despesas de campanha, a reportagem entrevistou as mulheres que tiveram votações baixas. Elas alegam que foram às ruas pedir votos e descartam ser “laranjas”.
A legislação eleitoral exige que 30% dos candidatos de um partido sejam de um gênero, e 70% de outro. Em geral, às vésperas do pleito as agremiações saem à cata de mulheres para fazer figuração na cota. A divisão de dinheiro do Fundo Eleitoral acessado pelos partidos, composto por dinheiro público, deve seguir a mesma proporção.
> Dirigentes partidários negam irregularidades
Este é um debate que se impõe neste momento em que o país acompanha suspeitas de candidatas laranjas do PSL em investigações que respingam no presidente Jair Bolsonaro e em aliados dele. Uma delas, embora diga que fez campanha, gastou R$ 400 mil em uma gráfica a quatro dias da eleição.
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No Estado, os casos fora da curva estão em partidos de cores variadas. Apesar de as candidatas, aqui, jurarem que não foram laranjas, admitem: ficou a sensação de terem sido usadas pelos partidos para fazer número.
Cabeleireira, Rosana Figueredo tentou pela primeira vez uma vaga na Assembleia Legislativa, pelo Pros. Recebeu R$ 10 mil da legenda para a campanha e só conseguiu 17 votos. “O problema é que a gente é enganada. Quando a gente entra, dizem que a gente vai participar, que vão dar chance, apoio. Se saísse uma mulher, não poderiam fechar a coligação. Mas depois do dia do fechamento começam a tratar a gente mal”, disse.
Rosana suspeitou da maneira como as despesas foram sugeridas. “Queriam que eu contratasse cinco coordenadores, mas eu disse que não faria isso sem o dinheiro entrar na minha conta. Só chegou o mínimo possível de dinheiro na minha mão”, contou.
No PSD, gastos “obrigatórios” para candidatas ficaram ainda mais evidentes. Cinco candidatas inscritas pelo partido na eleição precisaram pagar, cada, R$ 10 mil para serviços de um escritório de advocacia. “Muito dinheiro foi burlado, como esse do jurídico. A advogada foi comigo uma vez ao fórum”, disse Robertha Stefanon. Em sua primeira disputa a deputada estadual, conseguiu 251 votos.
A mesma despesa com advogados não aparece na prestação de contas de políticos tradicionais do PSD, como o presidente do partido e candidato a deputado federal, Neucimar Fraga, e o deputado estadual reeleito, Enivaldo dos Anjos.
“Eles colocam a gente para pagar o material que, na realidade, eles fazem conjugado com a gente. Por exemplo, foram feitos 50 mil santinhos meus. Mas foram feitos 450 mil santinhos meus com Neucimar”, relatou Robertha.
Mirian Regina, do PMB, conquistou 15 votos. Diz que abriu mão da campanha no meio do caminho ao constatar que estava lá a contragosto dos dirigentes.
“De R$ 10 mil que recebi, tinha que devolver R$ 7 mil. Era para uma tal de casa não sei das quantas, que falaram que era para propaganda na TV, advogado, contador. O dinheiro que chegou na nossa conta praticamente a gente teria que devolver tudo. Tinha uma mulher que ligava ameaçando. Falava que eu tinha que devolver. Era essa a palavra usada. Isso vai desanimando. O interesse deles era só ter mulher no partido”, explicou.
O PMB coligou-se ao PTB. Graças à Mirian e às outras mulheres inscritas pelo pretenso Partido da Mulher Brasileira, a coligação conseguiu lançar mais candidatos homens. Nanico, o PMB não tem acesso aos Fundos públicos. Os recursos das candidatas do PMB foram depositados pelo PTB. “O material chegou quando faltavam 11 dias. Foi uma furada esse partido. Eu procurava uma pessoa e mandavam para outra. Foi uma briga que você não tem ideia”, afirmou Mirian.
A esteticista Leila Bayer (PSD) encarou a eleição à Assembleia com a bandeira das mães que, assim como ela, têm filhos com necessidades especiais. Conseguiu 403 votos, resultado que considerou positivo. Diz não ter do que reclamar do seu partido, mas sentiu que estar ali “só por causa dos 30%”. “Não me senti ‘laranja’, mas senti falta de atenção.”
Os dados da Justiça Eleitoral mostram que o partido deu à Leila R$ 74,3 mil para a campanha. Segundo ela, todos os seus santinhos eram “casados” com algum outro candidato do partido ou da coligação. Até uma pesquisa eleitoral, no valor de R$ 5 mil, os recursos dela tiveram que custear. “Eu fui comunicada que ia ter pesquisa eleitoral. Mas eu acho que foi para os grandes, porque a gente não ia entrar em uma pesquisa eleitoral.”
Ela também disse que preferiu aceitar a sugestão de advogados feita pelo PSD pois partiu do pressuposto de que eles eram competentes. Não quis correr o risco de buscar um mau profissional. “Se é o pagamento correto ou não... A gente teve que aceitar”, contou.
Para a especialista em Direito Eleitoral da Mackenzie Mônica Herman, os gastos obrigatórios das mulheres representam prática ilegal. “Isso é absolutamente ilegal, mas para comprovar a ilegalidade, a candidata tem que provar isso. É absolutamente irregular porque o recurso atribuído à candidatura feminina deve ser usado pela candidata mulher, e não para outras finalidades de interesse do partido”, esclareceu.
FUNCIONÁRIA
Lenilda Silva foi a mulher mais votada do PSD, com 999 votos. Embora tenha tentado ser deputada federal, curiosamente diz ter feito campanha só em Barra de São Francisco. Mesmo assim, o partido deu a ela R$ 250 mil. Por que ela recebeu tanto dinheiro? “Todos me conhecem como pessoa merecedora”, respondeu ela, que afirmou não ter se sentido usada pelos caciques partidários.
A campanha dela foi coordenada por um ex-assessor de Enivaldo dos Anjos, que hoje trabalha em uma das diretorias da Assembleia. “Teve (santinho) meu com o Enivaldo. Mas eu tive os meus independentes”, disse ela, que também não teve qualquer gerência sobre qual e como as gráficas produziriam o material de campanha dela.
Desde dezembro, ela estava nomeada no gabinete de Enivaldo. Foi exonerada na quinta-feira (28).
SANTINHOS
A falta de conhecimento e a “ajuda” forçada de candidatos masculinos não são exclusividade de mulheres sem vivência partidária. O caso de Carla Xavier é intrigante. Na eleição de 2018, ela coordenava o núcleo de mulheres do PRB, partido pelo qual concorreu para deputada federal. Teve R$ 309,9 mil da sigla para a campanha, mas só conseguiu 1.260 votos.
Do montante de dinheiro, R$ 107,3 mil foram com a gráfica GM Gráfica & Editora, de Vitória. Ela mora na Serra.
“(De santinhos) Eu tive 50% só meu e 50% com o candidato a deputado estadual Devanir Ferreira. A gente fez um trabalho junto, até pelo fato de ele ser a pessoa que me acolheu, da igreja”, explicou, sem qualquer constrangimento.
A prestação de contas de Devanir aponta gastos mais módicos que os de Carla, na mesma gráfica: R$ 69 mil.
A candidata do PRB foi além. É que R$ 25,3 mil para materiais de campanha que aparecem como despesas de campanha dela na GM Gráfica & Editora foram declarados no dia 6 de outubro, véspera da eleição. Segundo a nota fiscal, foram produzidos 801 mil adesivos, placas e panfletos de “colinha”.
Questionada sobre o volume de impressões às vésperas do pleito, saiu-se com esta: “É isso mesmo. Nós precisávamos de material. Muita gente falava: ‘ah, queremos um lembrete’. Eu fui à noite, na véspera, entregar”, disse.
Um sócio da gráfica foi procurado para confirmar se o serviço foi realmente prestado no dia 6 de outubro, como está registrado na Justiça Eleitoral. Limitou-se a dizer que foi “durante o período eleitoral”.
O Tribunal Superior Eleitoral esclareceu que receitas e contratações de serviços devem ser reportadas em até 72 horas.
Na relação de candidatas com menos votos e mais dinheiro do partido, o caso mais emblemático foi o da candidata a deputada estadual Paula Primo (PP). Recebeu R$ 93,3 mil do partido para a campanha, gastou R$ 20 mil e só teve 113 votos. Os dados pessoais informados no registro de candidatura, como telefone e e-mail, não são dela, mas de seu sobrinho, Thiago Primo. À reportagem, ele apresentou-se como coordenador da campanha dela. Nas redes sociais, porém, ele fez campanha apenas para o candidato a deputado federal Marcus Vicente, presidente do PP. Procurado por meio de Thiago, Paula não deu retorno.
DEPOIMENTOS
"Não descarto ter sido usada como laranja"
O material gráfico que a gente pagou chegou faltando 11 dias para a eleição. Foi uma furada esse partido. Cada hora um falava uma coisa. De R$ 10 mil que recebi, tinha que devolver ao partido R$ 7 mil. Era para uma tal de casa não sei das quantas, que falaram que era para propaganda na televisão, advogado, contador. Resumindo: o dinheiro que chegou na nossa conta praticamente a gente teria que devolver tudo. Tinha uma mulher que ligava ameaçando. Falava que eu tinha que devolver. Era essa a palavra usada. Não descarto a ideia de ter sido usada como laranja, mas, como aconteceu comigo, aconteceu com outras. Pode ligar para qualquer mulher que teve menos voto que vão falar a mesma coisa.
Mirian Regina, candidata a dep. estadual do PMB
"Minha maior dificuldade foi ter visibilidade"
Fui convidada a me candidatar porque eu estava assumindo o PRB Mulher. A maior dificuldade que eu tive foi de pouca visibilidade na TV. Não recebemos material no tempo certo, mas isso aconteceu com outros partidos. Mas eu tive muito material. Eu tive 50% (de santinhos) só meus e 50% com o Devanir Ferreira. A gente fez um trabalho junto até pelo fato de ele ser a pessoa que me acolheu, da igreja. É uma incógnita (se ela foi usada pelo partido para preencher cota). O tempo foi pequeno. O que a gente percebe é que não é só o PRB, não é só pra preenchimento de cota, estão até questionando a importância da posição da mulher. Muita gente pediu. Eu distribuí materiais até na véspera da eleição, à noite.
Carla Silva Xavier, candidata a dep. federal do PRB
"O problema é que a gente é enganado"
O problema é que a gente é enganado. Quando a gente entra na campanha, eles dizem que a gente vai participar, que vão nos dar a chance de ganhar, apoio. Mas eu não sabia que até o dia 20 de setembro eles tinham que manter todas as mulheres no Pros (por causa da cota). Depois dessa data, começaram a tratar a gente supermal, ignoravam a gente. Foram feitos dois depósitos de R$ 5 mil na minha conta. Eu tive que lutar muito para isso. Queriam que eu contratasse cinco coordenadores, mas eu disse que não faria isso sem o dinheiro entrar na minha conta. Só chegou o mínimo possível. Hoje eu tenho política como uma brincadeira que eles fazem. Eles dão um dinheirinho para tapear.
Rosana Figueredo, candidata a dep. estadual do pros
"Teve um ponto que tive medo de dormir"
A minha decepção foi muito grande. Eles colocam a gente para pagar o material gráfico que na realidade eles fazem conjugado com a gente. Por exemplo, foram feitos 50 mil santinhos meus. Foram feitos 450 mil santinhos meus com Neucimar. Fiquei com contador indicado pelo partido que ia cobrar entre R$ 3 e R$ 4 mil. No dia do pagamento, mandaram a gente dar três cheques para uma pessoa só, de R$ 3 mil, R$ 2 mil e R$ 1 mil. E não podia ser nominal. Eu paguei R$ 10 mil de jurídico. O advogado foi comigo uma vez ao fórum. Tentaram me fazer de laranja, mas eu bati de frente. Teve um ponto que tive medo de dormir.
Robertha Stefanon, candidata a deputada estadual do PSD
"Não sei se recebi menos"
Filiei-me a pedido de amigos. Tenho a bandeira das mães de filhos com necessidades especiais. Entrei por causa de um sonho. Fui bem recebida. Comecei a campanha sozinha.
Não sei as regras do Fundo. Não sei se recebi mais ou menos do que deveria. Todos os meus santinhos eram “casados”. A gente sente que está ali só por causa dos 30% da cota de mulheres. Não me senti laranja, mas senti falta de atenção.
Leila Bayer, candidata a deputada estadual pelo PSD
“Passavam a despesa para mim”
Pedi votos na nossa redondeza de Barra de São Francisco mesmo, fui de casa em casa. Eles (o partido) passavam (as despesas) tudo para mim. Perguntavam se eu era a favor e eu apoiava.
Eu não tinha muita experiência com as gráficas. O partido deu o trabalho para eles. Muitas pessoas me falaram isso, mas em momento nenhum me senti usada. Eles me apoiaram. Não me senti desmerecida.
Lenilda Maria da Silva, candidata a deputada federal pelo PSD
"Dinheiro é administrado pelo partido"
É todo administrado pelo partido esse dinheiro. A gente tem que pagar santinhos, contador, advogado, as pessoas que ajudam. É tudo muito certinho. Geralmente, a gente fica com as (empresas indicadas) do partido.
O partido apoiou bastante, as mulheres não podem negar. No meu caso, não (não fui usada). Colatina é uma cidade pequena, com poucas mulheres engajadas e o partido acolhe melhor as candidatas.
Jô Fagundes, candidata a deputada estadual pelo PTB
"Não temos condição de competir"
A decepção é porque teve pouco apoio financeiro. Não pude sair porque não tinha carro. Eu só podia colocar combustível do meu bolso. Não é problema desse partido, são os partidos de modo geral.
Nós somos muito discriminadas. Fui convidada a entrar no Pros. No início, me levaram até lá, eu achei interessante participar. Mas nós não temos condição financeira de competir com essa homarada. Eu recebi R$ 5 mil. Já começou a discriminação aí.
Netinha bancária, candidata a deputada federal pelo PROS
O QUE É O G.DADOS?
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