Das redes sociais às camisas verde-amarelas, vermelhas e uniformes escolares nas ruas, a polarização política que poderia ficar para trás após as eleições está firme e forte.
Se nem todo mundo que saiu de casa para protestar é fã de carteirinha ou oposição a Jair Bolsonaro (PSL), as manifestações recentes contra ou a favor de medidas propostas pelo governo federal ilustram o clima de lado A, lado B que ainda divide os brasileiros.
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E o próprio Bolsonaro trabalha para que seja assim, ao endossar os protestos a favor dele mesmo, ao desqualificar os adversários políticos ou ao tachar o diálogo com o Congresso de flerte com a corrupção.
Os protestos ilustram, sim, a polarização, mantêm quase um terceiro turno constante, avalia o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando.
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Se a gente ficar numa espiral de manifestações a favor e contra o governo durante muito tempo, a sociedade começa a ficar paralisada, alerta.
Antes mesmo do Bolsonaro, quem começou a tratar o adversário como inimigo foi o PT, mais especificamente, o presidente Lula. A narrativa do PT foi durante muito tempo uma disputa entre nós e eles. Mas tem uma diferença. O Bolsonaro mesmo depois de eleito insistiu nessa retórica e passou a considerar outros como inimigos, afirma Prando.
Ele ressalta, no entanto, outro viés do novo governo. Não é, no fim das contas, a oposição o maior problema e, sim, as situações criadas pela própria gestão, que sabota a si mesma.
POUCO EFICIENTE
Bolsonaro acredita que é puro, límpido, nova política. Os outros são fisiologistas e, no limite, corruptos. Essa estratégia, se foi pensada, é muito pouco eficiente para o governo. Ele fez muitos decretos, cerca de 150. Menos decretos só que o Collor. Mostra que não tem disposição a passar pelo crivo do Legislativo. Só que os decretos são falhos de maneira técnica e jurídica e são derrubados, ou pelos deputados e senadores ou pelo Supremo Tribunal Federal, pontua.
Essa dinâmica de governar a partir do enfrentamento com inimigos mantém a sociedade num estado de constante tensão, constata o cientista político.
É, por isso, talvez, que os eleitores de Bolsonaro (ou anti-PT) ainda não tenham feito as pazes com os eleitores do PT (ou anti-Bolsonaro).
Mas para além das relações interpessoais, há, ou deveria haver, convergência entre os Poderes Executivo e Legislativo. É de lá que saem ditames que podem causar impacto nas vidas de todos, independentemente do candidato escolhido ao teclar na urna.
O presidente não desceu do palanque, continua com retórica de nós contra eles, tudo que foi feito antes de mim foi ruim para o país. Eu sou o arauto da nova era. Não há diálogo possível quando você se diz o único capaz, afirma o professor de Ciência Política do Insper Leandro Consentino.
MÉTRICA
Questionado se as manifestações pró-Bolsonaro poderiam ser uma métrica a apontar que o governo ainda tem fôlego mesmo em meio à retórica belicosa, ele diz que não. É uma manifestação de drive thru, cada um escolhe o seu e cada um faz um protesto particular. Não permite métrica. É como as manifestações de 2013, sem pauta única. Pessoas de campos políticos diferentes estiveram também nas manifestações pela Educação, é algo difuso, responde.
Assim como analistas, inicialmente, avaliavam como remotas as chances de Bolsonaro vencer a eleição para a Presidência da República e o arrefecimento dos ânimos pós-eleição, houve também quem imaginasse uma vida mais fácil para o presidente nos primeiros meses de governo. Com popularidade em alta e lua de mel com o eleitorado, ele não teria problemas para aprovar o que quisesse no Congresso, como se deu historicamente com outros mandatários. Não está sendo assim.
É complicado, portanto, fazer previsões no Brasil atual. A questão é se o governo vai conseguir, de fato, governar ou se vai ficar a reboque de acontecimentos fortuitos, declarações desastradas de ministros e a pauta do Congresso, que já mostrou que está disposto a levar a frente um parlamentarismo branco. Se não conseguir se articular, vai seguir a reboque dessas três forças, acredita Consentino.
APÓS ACIRRAMENTO, POLICIAL EVITA DISCUSSÕES
Já depois das eleições, no final do ano passado, o policial civil Humberto Mileip, de 36 anos, relatou à reportagem do Gazeta Online as agruras que viveu, expulso de um grupo de WhatsApp de colegas da faculdade, tamanho o acirramento da disputa pela Presidência da República entre os próprios eleitores.
De lá para cá, as coisas não mudaram muito. Humberto, ele mesmo candidato a deputado estadual no ano passado, pelo PCdoB, diz que, no que se refere aos conservadores, ainda mantém certa distância.
No meu trabalho, em que lido com um perfil bem conservador, sou representante dos policiais civis, não consigo abrir mão da convivência. É meu trabalho, a gente acaba se adaptando. Mas, quando posso fazer essa escolha, de alguns ambientes me afastei, conta Mileip.
SEM DISCUSSÃO
Ele havia admitido, ainda em novembro, ter exagerado ao travar debates políticos. Agora, prefere não entrar em discussões: Já discuti muito, mas tenho preferido fazer meu trabalho.
Saí de novo do grupo (de WhatsApp em que as pessoas falam mais de política) e estou dando um tempo para as coisas se acalmarem, diz. Ele avalia que, apesar de o governo já estar em curso, é tudo muito recente.
O grupo dos colegas de faculdade segue com a ausência de Mileip.
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